sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Sextas

Às sextas as consultas são muitas e rápidas, sucedendo-se como capítulos de um livro de bolso. A falta de espaço obriga a não ter morada certa, a passear o precioso espólio médico de um gabinete para outro, a fazer de cada sala emprestada um local de dedicado trabalho.

Antes de tudo, entrei no gabinete amplo, as oito da manhã ainda impressas na minha expressão e na minha postura e sentei-me na cadeira giratória. Sublime e inusitada, a luz dourada do início da manhã entrava às golfadas pelo gabinete e sobrepunha-se com paixão ao monótono cinzento do chão. Ali sozinha, ocupando sem querer o holofote de sol, compunha uma cena em tudo antagónica ao ambiente cerrado e ruidoso da sala de espera. Respirei fundo e preparei-me para mais um começo.

Em sucessão, as pessoas, mais ou menos doentes, sentaram-se consecutivamente em réplicas da mesma cadeira de estofo azul enquanto eu acenava, concordava, repetia, reiterava, sorria, argumentava, informava, consolava, perguntava, propunha, empatizava e ouvia. Ali mesmo, todos os verbos e todos os sentimentos do mundo, enfeitando e povoando os múltiplos rostos acesos.

E invariavelmente, as sextas terminam neste sofá em que me encontro, revendo mentalmente os episódios da semana: o mil-folhas delicioso, o sorriso épico do menino que nunca sorria, o abraço no corredor, o elogio na hora certa, a chave que salvou o dia, o gato meloso, o jantar saboroso da mamã, o corre-corre das tarefas de última hora, o desejo de um adolescente perdido, o mundo em forma de bola de plástico aqui e agora na palma da minha mão.

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